Já que todos mostram os defeitos,

A falta de conflito, de um enredo propriamente dito, é resultado da opção por tomar aquele amor por assunto. Com efeito, os autores do filme querem falar de dois homens que se amam, que são próximos demais -- que são irmãos. Eles não querem falar dos problemas disso, ou de dois homens que se amam mas. Não tem mas.
Se poderia parecer inverossímil, a tranqüilidade para viver essa história se justifica por eles viverem no alto daquela burguesia onde se é protegido o suficiente para ter uma funcionária da escola para levá-los ao hospital quando se machucam; para ter uma babá que vira governanta quando eles crescem; para se herdar uma mansão sem pensar em aluguel. E têm uma mãe moderninha, um pai ex-revolucionário, e outro pai ausente o suficiente para só perceber tudo durante o intervalo do filme em que eles são adolescentes (e nada é mostrado).
Na ausência de conflito, resta tempo para mostrar, com bastante sensibilidade (com uma sensibilidde que eu nunca vira) o amor entre dois homens. Que é amor, é só amor, mas tem suas especificidades, mostradas em algumas belas cenas, que julgo valer a pena registrar:
a conversa com o treinador, num bar, com o mar ao fundo -- aquela é a exata conversa-paquera-brincadeira-namoro-briga, misto de ditos e não-ditos, insinuações e explicitações, de dois caras que há muito estão juntos;
a leitura do texto de Hilda Hilst na manhã branca -- aí o maior mérito é ter escolhido um texto que descreve tão bem o que se ama quando se ama um homem;
a interrupção da ficada com a moça -- a reclamação dela contra a força faz viva a violência dos machos.
O resto... bem, o resto é pouco, e os defeitos são vários. Mas cumpre ainda registrar a funcionalidade da fotografia. É claro que o branco forçado é feito sob medida para os idiotas saírem dizendo "a fotografia é linda"... mas ele é bastante funcional: o mundo do filme não é branco; branca é a casa onde eles nascem, crescem e se amam. Uma casa inundada da luz branca, masculina, do sol de Apolo. Como se os meninos-homens fossem seus filhos, no seu templo.
A ignorância do que há de vermelho, ocre e negro nisso tudo -- que é negação de Dionísio e dos sátiros, e é especialmente negação das górgonas, gréias e de todo o mundo ctônio -- faz a força e a fraqueza do filme.
3 Comments:
eu queria (já) ter o teu alcance teórico. invejo isso em tu.
'tou pra ver o filme tem tempo; já tá baixado aqui. e sei que tem muito de maria-vai-com-as-outras em tanta decepção do povo, além da óbvia falta de sensibilidade e cultura.
já conversamos sobre o filme...
e quanto a essa luz, a mim parece a mesma dos domingos banhados de sol em teu quarto.
Como é bom ler coisas inteligentes. A explicação da "falsa fotografia" é de se deleitar refletindo, por que não, nos braços de Orfeu.
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