segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Já que todos mostram os defeitos,

Me deixem falar num tom mais positivo de Do Começo ao Fim, filme gay brasileiro recente que causou certa comoção na comunidade, por causa dos dois moços lindos que estão por lá se agarrando.
A falta de conflito, de um enredo propriamente dito, é resultado da opção por tomar aquele amor por assunto. Com efeito, os autores do filme querem falar de dois homens que se amam, que são próximos demais -- que são irmãos. Eles não querem falar dos problemas disso, ou de dois homens que se amam mas. Não tem mas.
Se poderia parecer inverossímil, a tranqüilidade para viver essa história se justifica por eles viverem no alto daquela burguesia onde se é protegido o suficiente para ter uma funcionária da escola para levá-los ao hospital quando se machucam; para ter uma babá que vira governanta quando eles crescem; para se herdar uma mansão sem pensar em aluguel. E têm uma mãe moderninha, um pai ex-revolucionário, e outro pai ausente o suficiente para só perceber tudo durante o intervalo do filme em que eles são adolescentes (e nada é mostrado).
Na ausência de conflito, resta tempo para mostrar, com bastante sensibilidade (com uma sensibilidde que eu nunca vira) o amor entre dois homens. Que é amor, é só amor, mas tem suas especificidades, mostradas em algumas belas cenas, que julgo valer a pena registrar:
a conversa com o treinador, num bar, com o mar ao fundo -- aquela é a exata conversa-paquera-brincadeira-namoro-briga, misto de ditos e não-ditos, insinuações e explicitações, de dois caras que há muito estão juntos;

a leitura do texto de Hilda Hilst na manhã branca -- aí o maior mérito é ter escolhido um texto que descreve tão bem o que se ama quando se ama um homem;

a interrupção da ficada com a moça -- a reclamação dela contra a força faz viva a violência dos machos.

O resto... bem, o resto é pouco, e os defeitos são vários. Mas cumpre ainda registrar a funcionalidade da fotografia. É claro que o branco forçado é feito sob medida para os idiotas saírem dizendo "a fotografia é linda"... mas ele é bastante funcional: o mundo do filme não é branco; branca é a casa onde eles nascem, crescem e se amam. Uma casa inundada da luz branca, masculina, do sol de Apolo. Como se os meninos-homens fossem seus filhos, no seu templo.

A ignorância do que há de vermelho, ocre e negro nisso tudo -- que é negação de Dionísio e dos sátiros, e é especialmente negação das górgonas, gréias e de todo o mundo ctônio -- faz a força e a fraqueza do filme.

3 Comments:

Blogger aquático said...

eu queria (já) ter o teu alcance teórico. invejo isso em tu.


'tou pra ver o filme tem tempo; já tá baixado aqui. e sei que tem muito de maria-vai-com-as-outras em tanta decepção do povo, além da óbvia falta de sensibilidade e cultura.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010 3:47:00 AM  
Blogger Leandro Cruz said...

já conversamos sobre o filme...

e quanto a essa luz, a mim parece a mesma dos domingos banhados de sol em teu quarto.

segunda-feira, fevereiro 22, 2010 10:05:00 PM  
Anonymous Pedro Rossi said...

Como é bom ler coisas inteligentes. A explicação da "falsa fotografia" é de se deleitar refletindo, por que não, nos braços de Orfeu.

quinta-feira, março 18, 2010 7:40:00 AM  

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