João Pessoa entre Narciso e Dorian Gray (o tal texto do concurso...)
João Pessoa anda embriagada de sua formosura. Qual um Narciso seduzido por si próprio, e irremediavelmente preso à sua imagem refletida, a cidade se agarra às palavras que pintam sua beleza – mas esquece a beleza real por trás das palavras. E com isso corre o risco de, assim como Narciso, morrer afogada em sua própria imagem.
Gabamo-nos da cidade antiga sobre o rio; da orla aberta ao sol; da tanta sombra das árvores; da facilidade de ir e vir; de poder parar nos sinais de trânsito com os vidros abertos... Mas gabamo-nos de que, mesmo?
Meu olhar estrangeiro tem visto engarrafamentos e assaltos cada vez mais constantes; tem visto casas coloniais e modernistas virem ao chão, mortas de abandono e ganância. Minha pele tem sido ferida pela aridez dos bairros novos e pela desertificação das ruas centrais (eu não preciso de palmeiras estéreis espremidas em canteiros de avenidas; preciso é de gameleiras, em praças). Minha insônia piora com o verde virando cinza, nos vales do Jaguaribe e do Timbó, pouco a pouco cobertos de cimento, plástico e incúria. Minhas pernas não podem mais com as distâncias de uma mancha urbana que se espraia por rodovias bastante próprias a motores e rodas, mas não a pés.
Não, não é acaso, ou moda, que tantas pessoas abram mão dos espaços em que cresceram e viveram, e os troquem por esses simulacros deprimentes de cidade que são os shoppings e condomínios fechados – é a cidade que tem ficado dura.
O tempo está passando e corroendo a face da João Pessoa real. Porém, como se ela fora um Dorian Gray às avessas, sua imagem permanece sedutora nos discursos do senso comum, da imprensa, dos corretores imobiliários e dos agentes de turismo. Afinal, como vendê-la senão enquanto última capital idílica do Nordeste?
Cumpre escolher vê-la sem máscaras. Cumpre viver o desafio de sair do torpor insípido em que nos metemos, e usar da reflexão crítica aparentemente amarga para provar a fertilidade agridoce da ação. Ou então esperar, e assistir a este Dorian Gray de concreto, cerâmica e asfalto terminar por se transformar num cadáver desfigurado – mas com um retrato eternamente belo.
Gabamo-nos da cidade antiga sobre o rio; da orla aberta ao sol; da tanta sombra das árvores; da facilidade de ir e vir; de poder parar nos sinais de trânsito com os vidros abertos... Mas gabamo-nos de que, mesmo?
Meu olhar estrangeiro tem visto engarrafamentos e assaltos cada vez mais constantes; tem visto casas coloniais e modernistas virem ao chão, mortas de abandono e ganância. Minha pele tem sido ferida pela aridez dos bairros novos e pela desertificação das ruas centrais (eu não preciso de palmeiras estéreis espremidas em canteiros de avenidas; preciso é de gameleiras, em praças). Minha insônia piora com o verde virando cinza, nos vales do Jaguaribe e do Timbó, pouco a pouco cobertos de cimento, plástico e incúria. Minhas pernas não podem mais com as distâncias de uma mancha urbana que se espraia por rodovias bastante próprias a motores e rodas, mas não a pés.
Não, não é acaso, ou moda, que tantas pessoas abram mão dos espaços em que cresceram e viveram, e os troquem por esses simulacros deprimentes de cidade que são os shoppings e condomínios fechados – é a cidade que tem ficado dura.
O tempo está passando e corroendo a face da João Pessoa real. Porém, como se ela fora um Dorian Gray às avessas, sua imagem permanece sedutora nos discursos do senso comum, da imprensa, dos corretores imobiliários e dos agentes de turismo. Afinal, como vendê-la senão enquanto última capital idílica do Nordeste?
Cumpre escolher vê-la sem máscaras. Cumpre viver o desafio de sair do torpor insípido em que nos metemos, e usar da reflexão crítica aparentemente amarga para provar a fertilidade agridoce da ação. Ou então esperar, e assistir a este Dorian Gray de concreto, cerâmica e asfalto terminar por se transformar num cadáver desfigurado – mas com um retrato eternamente belo.
7 Comments:
Tecla de aplauso ativada!
=D
muito bom, rapaz. :)
o 1º lugar foi mesmo melhor do que isso?
e eu tenho mais pavor do dorian gray de cerâmica do que do de pastilha porcelanizada.
Talvez o primeiro tenha sido menos engajado...
Parabéns pelo texto! Concordo com muita coisa no texto. :)
Abraço.
com certeza o 1º prêmio foi pra algum babão sem olhar crítico!
:D
Quando digo "engajado", me refiro ao estilo do texto e não à postura do autor, que obviamente (tendo em vista o objetivo desejado junto ao público)deve ser crítico e engajado. Além disso, alguém crítico e engajado pode, também, escrever um bom texto sem muito "engajamento".
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