quinta-feira, novembro 29, 2007

Meu dia de K.


Faz tempo que eu li o livro. Me lembro muito mais do clima do que de qualquer coisa. Mas meu relato é o seguinte:

"Terça-feira eu tinha uma hora marcada no Ministério das Relações Exteriores. Estava tudo certo. O Bibliotecário já lera, antecipadamente, o meu Requerimento, e disse que não haveria problemas em consultar o Mapa e reproduzi-lo. Chegando na Recepção, o Guarda levou minha mochila, a Atendente anotou o que estava escrito em minha identidade, ligou para a Mapoteca e disse:

-- O senhor está sendo aguardado.

A Mensageira me acompanhou até a Mapoteca. Passei por corredores claros e escuros, abertos e fechados, esquerda, direita, até chegar num todo forrado de madeira nas paredes, com um teto pintado de branco. Uma porta se abriu e um homem me estendeu a mão:

-- Olá, senhor Juliano. Eu sou o Bibliotecário. O Mapa está esperando pelo senhor, sobre a mesa.
E efetivamente lá estava o Mapa. Mas quando eu falei em reproduzi-lo, ele me surpreendeu dizendo que teria de consultar a Conselheira:

-- Me acompanhe, por favor.

Levei um susto -- eu achava que o Bibliotecário era o responsável. Mais corredores de madeira, mais uma porta, e eis a Conselheira, uma velhota branca e amassada, sobre uma grande mesa da mesma madeira escura das paredes, sobre um estrado. Ela parecia muito importante.

-- Olá, senhor Juliano. Eu sou a Conselheira. Não permitimos reproduções do acervo.

Tentei argumentar que já havia sido combinado.

-- Não adianta. Deixe-me ler o Requerimento... Universidade Federal da Bahia. Bem. Autorizarei que você veja o Mapa. Localizá-lo-emos.

Nem pensei em explicar que ele já estava sobre a mesa, à minha espera. Na verdade, não pude falar nada, porque a Conselheira desandou num discurso sobre a importância do Ministério das Relações Exteriores, dos problemas que eles tinham com as consultas dos desocupados. Por fim, disse que minha única alternativa seria a Superiora. Quando soube que havia uma Superiora, provavelmente mais branca e murcha, numa mesa ainda mais alta, que me olharia com ainda maior desprezo, eu quis desistir, mas consegui apenas permanecer calado.

-- E a Superiora não está de bom humor hoje.

Encolhi.
Fui encaminhado de volta à Mapoteca: eu não veria a Superiora, que seria consultada apenas pela Conselheira. Fiquei lá, na penumbra, prostrado diante do Mapa, que guardava em si a Verdade Suprema da Paraíba do século XVIII. Tentava controlar a respiração apressada. Me imaginava fustigado pelo dedo em riste de uma Superiora invisível. Olhava pra baixo. Tudo perdido.

O Bibliotecário abriu a janela. Entrou uma réstia de luz. Ele disse:

-- Você teve sorte. A Superiora permitiu. Mas apenas uma imagem."

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... clap-clap-clap pra você, tá?

mas me diga, no que se baseia a tal reprodução?

sexta-feira, novembro 30, 2007 1:39:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

You're amazing.


Could it be that spirit of Josef K. was there whispering in her ear: "just one copy, just one copy..."? :)

sexta-feira, novembro 30, 2007 2:41:00 PM  
Blogger Leandro Cruz said...

"uou", alguém diria... muito bom o texto desse Sr. J.
=)

sexta-feira, novembro 30, 2007 5:05:00 PM  
Blogger Beto Efrem said...

Bom mesmo. :-)

quarta-feira, dezembro 05, 2007 3:14:00 PM  
Blogger Saulo Feitosa said...

como foi feita essa cópia...quero ver tambem a verdade absoluta sobre a paraíba do seculo XVIII

quarta-feira, janeiro 09, 2008 9:56:00 PM  

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