Meu dia de K.
Faz tempo que eu li o livro. Me lembro muito mais do clima do que de qualquer coisa. Mas meu relato é o seguinte:
"Terça-feira eu tinha uma hora marcada no Ministério das Relações Exteriores. Estava tudo certo. O Bibliotecário já lera, antecipadamente, o meu Requerimento, e disse que não haveria problemas em consultar o Mapa e reproduzi-lo. Chegando na Recepção, o Guarda levou minha mochila, a Atendente anotou o que estava escrito em minha identidade, ligou para a Mapoteca e disse:
-- O senhor está sendo aguardado.
A Mensageira me acompanhou até a Mapoteca. Passei por corredores claros e escuros, abertos e fechados, esquerda, direita, até chegar num todo forrado de madeira nas paredes, com um teto pintado de branco. Uma porta se abriu e um homem me estendeu a mão:
-- Olá, senhor Juliano. Eu sou o Bibliotecário. O Mapa está esperando pelo senhor, sobre a mesa.
E efetivamente lá estava o Mapa. Mas quando eu falei em reproduzi-lo, ele me surpreendeu dizendo que teria de consultar a Conselheira:
-- Me acompanhe, por favor.
Levei um susto -- eu achava que o Bibliotecário era o responsável. Mais corredores de madeira, mais uma porta, e eis a Conselheira, uma velhota branca e amassada, sobre uma grande mesa da mesma madeira escura das paredes, sobre um estrado. Ela parecia muito importante.
-- Olá, senhor Juliano. Eu sou a Conselheira. Não permitimos reproduções do acervo.
Tentei argumentar que já havia sido combinado.
-- Não adianta. Deixe-me ler o Requerimento... Universidade Federal da Bahia. Bem. Autorizarei que você veja o Mapa. Localizá-lo-emos.
Nem pensei em explicar que ele já estava sobre a mesa, à minha espera. Na verdade, não pude falar nada, porque a Conselheira desandou num discurso sobre a importância do Ministério das Relações Exteriores, dos problemas que eles tinham com as consultas dos desocupados. Por fim, disse que minha única alternativa seria a Superiora. Quando soube que havia uma Superiora, provavelmente mais branca e murcha, numa mesa ainda mais alta, que me olharia com ainda maior desprezo, eu quis desistir, mas consegui apenas permanecer calado.
-- E a Superiora não está de bom humor hoje.
Encolhi.
"Terça-feira eu tinha uma hora marcada no Ministério das Relações Exteriores. Estava tudo certo. O Bibliotecário já lera, antecipadamente, o meu Requerimento, e disse que não haveria problemas em consultar o Mapa e reproduzi-lo. Chegando na Recepção, o Guarda levou minha mochila, a Atendente anotou o que estava escrito em minha identidade, ligou para a Mapoteca e disse:
-- O senhor está sendo aguardado.
A Mensageira me acompanhou até a Mapoteca. Passei por corredores claros e escuros, abertos e fechados, esquerda, direita, até chegar num todo forrado de madeira nas paredes, com um teto pintado de branco. Uma porta se abriu e um homem me estendeu a mão:
-- Olá, senhor Juliano. Eu sou o Bibliotecário. O Mapa está esperando pelo senhor, sobre a mesa.
E efetivamente lá estava o Mapa. Mas quando eu falei em reproduzi-lo, ele me surpreendeu dizendo que teria de consultar a Conselheira:
-- Me acompanhe, por favor.
Levei um susto -- eu achava que o Bibliotecário era o responsável. Mais corredores de madeira, mais uma porta, e eis a Conselheira, uma velhota branca e amassada, sobre uma grande mesa da mesma madeira escura das paredes, sobre um estrado. Ela parecia muito importante.
-- Olá, senhor Juliano. Eu sou a Conselheira. Não permitimos reproduções do acervo.
Tentei argumentar que já havia sido combinado.
-- Não adianta. Deixe-me ler o Requerimento... Universidade Federal da Bahia. Bem. Autorizarei que você veja o Mapa. Localizá-lo-emos.
Nem pensei em explicar que ele já estava sobre a mesa, à minha espera. Na verdade, não pude falar nada, porque a Conselheira desandou num discurso sobre a importância do Ministério das Relações Exteriores, dos problemas que eles tinham com as consultas dos desocupados. Por fim, disse que minha única alternativa seria a Superiora. Quando soube que havia uma Superiora, provavelmente mais branca e murcha, numa mesa ainda mais alta, que me olharia com ainda maior desprezo, eu quis desistir, mas consegui apenas permanecer calado.
-- E a Superiora não está de bom humor hoje.
Encolhi.
Fui encaminhado de volta à Mapoteca: eu não veria a Superiora, que seria consultada apenas pela Conselheira. Fiquei lá, na penumbra, prostrado diante do Mapa, que guardava em si a Verdade Suprema da Paraíba do século XVIII. Tentava controlar a respiração apressada. Me imaginava fustigado pelo dedo em riste de uma Superiora invisível. Olhava pra baixo. Tudo perdido.
O Bibliotecário abriu a janela. Entrou uma réstia de luz. Ele disse:
-- Você teve sorte. A Superiora permitiu. Mas apenas uma imagem."
O Bibliotecário abriu a janela. Entrou uma réstia de luz. Ele disse:
-- Você teve sorte. A Superiora permitiu. Mas apenas uma imagem."