terça-feira, agosto 28, 2007

à moda antiga


Eu poderia fazer um crônica como aquelas que eu lia no livro da sexta série. Eu poderia lamentar os homens ocupados com seus negócios, sem ver a beleza do mundo, e as mulheres ocupadas com suas empregadas, idem. Poderia falar dos jovens cegos por seus namoros ou das crianças, por suas brincadeiras.

Mas o caso é que a lua estava tão dourada que não houve nada disso. Os portugueses construtores usaram seus celulares para avisar uns aos outros, o rapaz musculoso parou os exercícios e a senhora devota parou sua reza. Mais que tudo, três meninos, com seus pais em uma carroça, apontaram e riram, divertidos (aqui, resisto a mentir e dizer que os burrinhos também olharam).

A lua estava tão dourada que foi como a banda.

domingo, agosto 26, 2007

Requiem for a dream, ou A volta das três melancolias que cirandam.

A metáfora, de tão gasta, já rasgou. Mas quando a realidade nega os manuais de estilo, cedo à mera narração dos fatos, tal como aconteceram.

No meu primeiro namoro eu ganhei um bonsai. Ambos não duraram nem um mês.

No meu segundo namoro eu ganhei um pé de manjericão que me rendeu inúmeros jantares felizes. Às vezes zeloso, às vezes relapso, vi o pezinho vicejar e murchar, vicejar e murchar, até que, depois de anos, estava feio e disforme, mas ainda vivo. E só morreu mesmo quando já havia um vasinho de flores vermelhas ao seu lado.

Esse último vasinho eu mesmo comprei, no meu terceiro namoro. Pequeno, delicado, fresco, feliz, um vasinho de supermercado. Mas hoje abri a porta da varanda e vi que também ele morreu.

E sem pêsames, por favor, que não estou para derramamentos.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Muito sexo nas portas do Carmo


(Enquanto o show do The Silvias não começa, e enquanto a Matriz observa, de longe)

Na esquina do casarão 34. Vai passando a moça bonitinha, estilinho, e eu penso: "deve estar indo pro show". Aí ela pára na porta do ex-municipal, dá uma rápida olhada nos cartazes pornô, entra, tranquila, e eu repenso: "que coisa mais 'a professora de piano'".

Ao lado do casarão 34. Ou seja, em frente à boate gay da cidade. Eu, parado na calçada, rodeado de instrumentos musicais que acabei de tirar do carro, penso: "vão pensar que eu virei promoter aqui da Vogue".

Dentro do casarão 34. "NÃAAOOO, eu não queria ver o pinto de Joálisson!" (mais explicações, perguntem à Agência Fotográfica Ensaio).

segunda-feira, agosto 20, 2007

porque o instante existe, e a minha vida... bem, a minha vida...


Mais uma linda tarde cinza. O ceu é cinza e cortado pelas linhas da chuva cinza. As casas e prédios ficam cinza rosado, cinza azulado, cinza cinzento.

O friozinho do vento faz o café com leite mais aconchegante. E que importa se as pessoas são umas egoístas, outras insensíveis, outras cegas, e a maioria tudo isso junto?

A tarde é cinza, eu tenho sorte, e isso me basta. Por agora.

domingo, agosto 19, 2007

Daniel Peixoto sings: "Fame, glamour, money, success"

E eu digo: "não, querido. Apenas umas rajadas de doces neurotransmissores."

Porque fame, glamour, money, success de verdade, e tudo o que importa mais que isso, está é na minha casinha, na minha varanda, no meu escritório, no meu quarto.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Newcomers

Pessoas estranhas chegando em cidades novas sempre dão em encontros improváveis. Me lembro da velha doida, do crente doido, da carioca doida e do deus celta doido que eu encontrei lá por Salvador. Agora, estou do outro lado: tem um primo de Saulo na minha casa. Boa gente, o rapaz – mas bem diferente de mim.

Eu poderia contar do toque do celular dele (um arrocha que tem me pregado vários sustos), mas ele mesmo contou-me uma ótima, da época em que era militar. Estava em uma audiência, escoltando não-sei-quem, e de repente toca o celular do juiz:

"quem é o gostosão daqui? Sou eu, sou eu..."

Ao que o advogado se aproxima do juiz:

"meritíssimo, eu não tenho este toque!"

Ao que o juiz responde:

"mas não seja por isso!"

E ficam os dois trocando toquinhos por bluetooth...

sábado, agosto 11, 2007

O estrangeiro



De um lado e do outro do rio da Paraíba, eles me olham e me desafiam:

– aqui eu sei, aqui eu ajo. Pode fotografar, se quiser.

quinta-feira, agosto 09, 2007

Sem pressa nenhuma




Diferentes detalhes de um mesmo viaduto vermelho e cinza.
Diferentes detalhes de uma mesma cidade que vai se perdendo na memória falha.
Vou retalhando a realidade, e de novo em pedaços mais pequenos, e de novo, e. Com gosto por esse ralentar dos tempos, por cores que vão desbotando, por fatos que vão virando ficção, sonho e então nada. Tocando a parede da fronteira pra descobrir que ela é de celofane.
De novo caindo, caindo, caindo.

terça-feira, agosto 07, 2007

Billie Holiday canta Strange Fruit,

eu escrevo as primeiras linhas da primeira página "dela",

e a cidade acorda maculada.





sábado, agosto 04, 2007

Êeeeeeeeeee


Foto mais fofa de Laura, com a noiva mais linda e o padrinho mais feliz.

:D

sexta-feira, agosto 03, 2007

Sobre "nós" e "eles" no texto "Brasileiros", teoricamente de Arnaldo Jabor

Três posts em um só dia. Ufa. Mas é que houve motivos. Recebi um email infame de um bom amigo, e me deu uma revolta que virou uma longa resposta. Quem me conhece não vai achar novidade nenhuma na minha argumentação. Até repito as referências àqueles que "limpam nossas privadas e abrem nossas portas". Perdão, é que a imagem é forte. Mas, de qualquer maneira, é importante postar, como resistência.

Embora relativamente bem escrito, indiscutivelmente falando algumas verdades, e certamente estruturado de maneira esperta, não posso concordar com o texto enviado. Na verdade, não posso deixar de me revoltar com o que li, e por isso respondo.

Primeiro, duvido que o texto realmente tenha sido escrito por Arnaldo Jabor. Talvez seja dele (imagino que ele seria capaz desse tipo de afirmação), mas acho muito mais provável que este seja mais um daqueles muitos casos em que alguém escreve qualquer besteira e usa o nome de um figurão para dar credibilidade. Como o coitado do Borges que até hoje deve se remexer no túmulo quando alguém cita o texto do "deveria ter andado mais descalço, pego mais resfriados" como sendo seu. Mas a autoria não importa. Vou me concentrar aqui em desmontar cinco das afirmações feitas, as cinco mais equivocadas, desumanas e perigosas.

1) "Eleger para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari, só porque tem uma história de vida sofrida"

A questão aqui não é defender Lula nem o PT, mas sim olhar pra eles sem preconceito. Ou seja: Lula e o PT estão roubando sim, estão administrando mal o país sim, estão decepcionando quem votou neles sim. Mas justamente conseguir ser TÃO ruim , TÃO IGUAL aos outros, mostra que não é a falta de escolaridade do presidente que faz a diferença...

Isto é importante, porque serve para desmascarar a visão extremamente preconceituosa e classista de quem escreveu o texto, que fica o tempo inteiro tentando criar um "nós, a maioria, a classe média, que trabalhamos para sustentar os políticos e os pobres"... E faz parte dessa ideologia criar um "outro", que seja "burro, vagabundo e corrupto", um "outro" que não se mistura com esse "nós, a classe média". Então fica muito fácil associar esse "outro" aos pobres, aos políticos, e a um político que um dia foi pobre.

Em resumo: a questão não é a falta de estudo de Lula (essa falta de estudo que coloca ele do "lado de lá"). É a falta de decência dele.

2) "90% de quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira. Se a maioria da favela fosse honesta, já teriam existido condições de se tocar os bandidos de lá para fora, porque podem matar 2 ou 3 mas não milhares de pessoas. Além disso, cooperariam com a polícia na identificação de criminosos, inibindo-os de montar suas bases de operação nas favelas."

Mais uma vez, são "eles, os pobres" que não são honestos nem colaboram com a "nossa" polícia. Mas como "tocar pra fora" os bandidos que dominam pela força, pela violência e pelo mesmo assistencialismo que o governo usa? Colaborando com a polícia truculenta e violenta, que chega com arma na mão, ameaçando, matando filhos, irmãos e pais?

Se a maioria dos favelados fosse de criminosos, este país já teria implodido. Se a maioria dos favelados não fosse extremamente honesta e mais, não aceitasse docilmente a desigualdade social verdadeiramente pornográfica deste país, todas os jeans Diesel dos shoppings e todas as piscinas térmicas dos condomínios fechados já estariam recheados com favelados escuros, pobres e "perigosos", indo satisfazer à força os desejos despertados por um mercado em que eles não têm lugar.

3) "Pagar 40% de sua renda em tributos e ainda dar esmola para pobre na rua ao invés de cobrar do governo uma solução para pobreza"

Esta raiva do "pobre na rua" me parece incômodo com ver os pobres. Se "eles" continuassem existindo, fodidos, mas bem longe, sem gastar "nossos" impostos nem "nos" incomodar, estaria tudo muito bem.

Mas não é assim que é o mundo. Não existe "eles" e "nós"... A minha carne e a minha humanidade são as mesmas de quem está do outro lado do vidro - o lado que não tem ar-condicionado. O autor do texto já notou que o "pobre na rua" é tão irmão dele quanto o "cantor no palco", o "banqueiro no iate" ou o "pastor no púlpito"? Eu notei. Eu não dou esmolas achando que vou resolver a pobreza de ninguém, porque sei que não vou. Eu dou esmolas porque cada menino pedindo no sinal é humano como eu, cada galalau de 18 anos, pedindo desavergonhadamente no sinal SOU EU MESMO. A fome, ou a nóia de falta de crack, ou a vontade de tomar uma cerveja dele, é uma fome minha, uma nóia minha, uma sede minha.

Talvez seja mais fácil perceber o que quero dizer, lembrando das várias vezes que eu caí em prantos com velhinhos ou menininhas pedindo na rua. Desprotegidos, verdadeiramente fodidos, sem esperança ou perspectiva nenhuma. E aí? É só dar um não na cara, fechar o vidro e seguir? Eu não consigo e nem quero conseguir. Eu prefiro continuar vendo uma humanidade profunda neles, porque isso também é a MINHA humanidade profunda.

Eu pago 40% de impostos porque eu acredito em Estado. Acredito em soluções coletivas. Acredito que "cada um por si" é o melhor caminho para a guerra e para a barbárie. Cada um por si é coisa de bicho, e de bicho carnívoro, porque bicho herbívoro vive em manada. Agora, se quisermos ser todos bichos carnívoros, destruindo uns aos outros, então o primeiro passo é justamente deixar de pagar esses impostos tão odiados.

4) "Aceitar que ONG's de direitos humanos fiquem dando pitaco na forma como tratamos nossa criminalidade. A maioria do povo acha que bandido bom é bandido morto, mas sucumbe a uma minoria barulhenta que se apressa em dizer que um bandido que foi morto numa troca de tiros, foi executado friamente."

Garanto que é a última vez que me refiro ao que o raciocínio do autor tem de mais odioso, esta divisão "nós/eles". Falar na "nossa" criminalidade... E essa criminalidade não é "delas" também, das ONG's? Essa criminalidade não afeta "eles", os pobre, também? Se "nós" produzimos riqueza em nossos escritórios, consultórios, lojas, empresas, "eles" não estão nesses mesmos escritórios, consultórios, lojas, empresas, abrindo "nossas" portas, limpando "nossas" privadas, fritando "nossos" camarões, enfrentando "nossas" filas de banco? Então que diabo de "nós" é esse?

Quanto aos Direitos Humanos... Infelizmente o autor sabe bem do que está falando. O projeto DELE (e não "nosso") é desrespeitar sistematicamente esses Direitos Humanos, é mesmo de negar humanidade para um bocado de gente. Está muito claro nas entrelinhas um "livrar-se" de bandidos que, além de darem dor de cabeça, dão despesa. Certamente, houve timidez para assumir a palavra "extermínio", mas é quase possível ouvi-la, ao ler o texto.

Pois eu digo: "nós" (e aqui falo em um "nós" bastante ampliado, um "nós" que inclui todos os Homo sapiens) deveríamos cuidar bem dos tais Direitos Humanos. São estes mesmo Direitos Humanos que poderiam ter impedido Hitler de matar os judeus (e olha que muito deles eram ricos!). São estes mesmos Direitos Humanos que poderiam ter impedido, inclusive, os temíveis revolucionários russos te terem matado nobres e burgueses! São estes mesmo Direitos Humanos que poderiam ter salvado a pele, em diferentes contextos de intolerância, de minorias como Negros e Homossexuaisde, mas também de grupos hoje fortes e majoritários, como Católicos, Protestantes, e Cristãos em geral.

Olhaí que maravilha os Direitos Humanos! Protegem de Saddam a Betinho, de Bush à Madre Teresa de Calcutá. Essa é a maravilha deles: todos os grupos já foram perseguidos algum dia, mas estes direitos protegem justamente todos os que são... humanos! Porque não se iludam: a situação confortável de hoje pode não ser a de amanhã.

E, é bom deixar claro, não sei se sou minoria (espero não ser), mas tento sim ser barulhento, porque acredito no que falo e escrevo.


5) "(...) e que um dia pessoas de bem assumam o controle do país novamente"

Esta frase final explica muita coisa. Falar das "pessoas de bem" que vão assumir o controle do país "novamente" significa que o autor é partidário destas "pessoas de bem" já estiveram no poder. E provavelmente daí tanto rancor contra um presidente muito parecido com os outros, mas com o agravente de ter – suprema burrice dos pretos e pobres – perdido um dedo.

Pois eu pergunto: que "pessoas de bem", cara pálida? As pessoas de bem que viam o Brasil como uma mina de ouro a ser explorada, e para isso tomaram a terra, a cultura e a própria vida dos índios? As pessoas de bem deixaram os negros serem tratados a açoite por eles serem pouco mais que animais? As pessoas de bem que despejaram para as periferias os moradores dos cortiços das áreas centrais, em nome da "salubridade", do "embelezamento" e da especulação imobiliária? As pessoas de bem que em nome do progresso construíram Brasília e endividaram o Brasil até hoje? As pessoas de bem que pra defender a "ordem" calaram, torturam, mataram brasileiros e deixaram suas mães sem nem corpos para enterrar? As pessoas de bem que fizeram parte da "operação uruguai", do "escândalo da pasta rosa", dos "anões do orçamento", da "cueca recheada" e de mais quinhentos roubos nos últimos governos?

Mas o autor diria: "Não, não... Esses são 'eles', os políticos. 'Nós' somos a classe média, que trabalha honestamente". E isso me obriga a voltar ao tal "nós".

"Nós" somos feitos da mesma merda que os políticos. Nós somos a classe média que coloca chifre nas esposas e maridos ("mas isso é pessoal"), que sonega imposto ("mas só porque o imposto é alto"), que faz empregado trabalhar mais que 8 horas por dia ("melhor que estar desempregado"), que não usa crack mas lembra com saudade do lança-perfume ("eram tempos inocentes"), que dá a chave do carro pro filho de 15 anos dirigir ("ele é responsável"), que passa em sinal vermelho ("O estado não me dá segurança"), dá propina pra guarda de trânsito ("todos dão"), que queima índio e espanca prostituta ("meu filho não").

Sabem de uma coisa? Vão todos pra casa ver Beleza Americana antes de virem me falar com orgulho de "nós, a classe média trabalhadora". E vamos todos, coletivamente, construir uma humanidade melhor a partir da nossa cozinha, da nossa garagem, da nossa portaria. Porque é muito confortável jogar tudo "neles" -- os pobres e os políticos.

Viajando nos cartazes





Sem metáfora alguma

Hoje eu tava parado no sinal e uma mulher botou a cabeça pra fora do ônibus e começou a vomitar. Eu olhei os jatos saindo da boca dela como de uma torneira, fazendo uma pocinha no asfalto.

Lembrei de um dia em que eu era criança, estava indo para o colégio, e vi exatamente a mesma cena. Só que naquele dia ficou uma lombrigona se contorcendo na pocinha, e hoje não. Eu procurei.