domingo, fevereiro 28, 2010

Retrato do artista

Não é mais feliz; é somente mais.

sábado, fevereiro 27, 2010

Chéri

O filme começa destinado a ser aquilo mesmo: atrizes famosas, franceses falando inglês, direção de arte caprichada para dar um charme à coisa... e eu com vontade de sair correndo.

Mas eis que me vejo diante de diálogos bem construídos, personagens cuja vida interior faz todo sentido, e um relacionamento amoroso cheio de verdade e humanidade.

Saí do cinema surpreso com quanto tempo fazia que o cinemão não me dizia nada relevante.

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Da série “Impossíveis diálogos”

O miserável e o intelectual comiserado se olham.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

A moça entra no elevador, boa noite. O cara, boa noite!

Ele vai pesando a mochila cheia, a pasta com notebook, a bolsa caindo do ombro. E ela ainda sorri. Que dia não deve ter sido, que vontade não deve ser agora de chegar em casa, os pés no ar, o corpo leve. Banho fresco, suco, sofá, pijama, novela... uma tomada de fôlego antes do próximo round.

Chega o quinto andar, ela sai, tchau, e ele percebe: eu que saí por esta porta. A moça, essa eu nem cheguei a ver.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

(A poesia que entornas no chão) x 2

Girando a manivela, tocando o realejo, a gente fica de doçura à mostra.
Dá uma vergonha danada, porque ninguém vem.

A gente suspira, chora, e faz de novo no mês seguinte.

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Depois do fim.

O funcionário olha para a senhora. Ela chora. O funcionário olha em volta, oferece água, procura uma consolação a ser dita, mas não acha nenhuma honesta.

A senhora chora. Ele espera. As horas passam. Ela se recompõe.

O funcionário retoma o fio de sua teia: "Como eu ia dizendo, o melhor acordo que eu posso oferecer..."

Ele volta para casa, vai à academia, faz compras, vê filmes. Deita. Sonha com as contas não pagas, e acorda no escuro. Se levanta, vai ao banheiro, se tranca, pega a lâmina atrás do espelho e senta. Abre as pernas brancas e lentamente, com precisão de burocrata, faz longos cortes, paralelos, nas coxas. Depois, sobe para a barriga. Depois, para o peito. Aí, pára, antes da altura do primeiro botão, sempre aberto, da camisa de sempre.

Consegue dormir, sobre os azulejos. Com todas as contas ainda por pagar.

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

(A mesma velha nostalgia) x 2

O verão vai passando.
A saída do trabalho vai ficando mais escura.
O sol vem caindo pra dentro da minha sala e do meu quarto.
É o verão, que vai passando.

domingo, fevereiro 21, 2010

Olê, olá.

Luar espera um pouco,
Que é pra meu samba poder chegar
Eu sei que o violão está fraco, está rouco
Mas a minha voz não cansou de chamar
Olê, olê, olê, olá

Tem samba de sobra, ninguém quer sambar
Não há mais quem cante, não há mais lugar
O sol chegou antes do samba chegar
Quem passa nem liga, já vai trabalhar
E você, minha amiga, já pode chorar.

Essa é a minha ressaca diária.

A mesma velha nostalgia

O silêncio do sol das tardes de domingo
dói mais que o da quarta-feira de cinzas.
Tentamos calá-lo com amigos na piscina,
com amigos na cerveja,
com trabalho e sono

Mas ele sempre volta –
o silêncio soturno da vida que podia ter sido e que não foi.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

(a primeira sessão da análise fazendo efeito)

Querem ser deuses
(maldição dos homens)
São só macacos

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Já que todos mostram os defeitos,

Me deixem falar num tom mais positivo de Do Começo ao Fim, filme gay brasileiro recente que causou certa comoção na comunidade, por causa dos dois moços lindos que estão por lá se agarrando.
A falta de conflito, de um enredo propriamente dito, é resultado da opção por tomar aquele amor por assunto. Com efeito, os autores do filme querem falar de dois homens que se amam, que são próximos demais -- que são irmãos. Eles não querem falar dos problemas disso, ou de dois homens que se amam mas. Não tem mas.
Se poderia parecer inverossímil, a tranqüilidade para viver essa história se justifica por eles viverem no alto daquela burguesia onde se é protegido o suficiente para ter uma funcionária da escola para levá-los ao hospital quando se machucam; para ter uma babá que vira governanta quando eles crescem; para se herdar uma mansão sem pensar em aluguel. E têm uma mãe moderninha, um pai ex-revolucionário, e outro pai ausente o suficiente para só perceber tudo durante o intervalo do filme em que eles são adolescentes (e nada é mostrado).
Na ausência de conflito, resta tempo para mostrar, com bastante sensibilidade (com uma sensibilidde que eu nunca vira) o amor entre dois homens. Que é amor, é só amor, mas tem suas especificidades, mostradas em algumas belas cenas, que julgo valer a pena registrar:
a conversa com o treinador, num bar, com o mar ao fundo -- aquela é a exata conversa-paquera-brincadeira-namoro-briga, misto de ditos e não-ditos, insinuações e explicitações, de dois caras que há muito estão juntos;

a leitura do texto de Hilda Hilst na manhã branca -- aí o maior mérito é ter escolhido um texto que descreve tão bem o que se ama quando se ama um homem;

a interrupção da ficada com a moça -- a reclamação dela contra a força faz viva a violência dos machos.

O resto... bem, o resto é pouco, e os defeitos são vários. Mas cumpre ainda registrar a funcionalidade da fotografia. É claro que o branco forçado é feito sob medida para os idiotas saírem dizendo "a fotografia é linda"... mas ele é bastante funcional: o mundo do filme não é branco; branca é a casa onde eles nascem, crescem e se amam. Uma casa inundada da luz branca, masculina, do sol de Apolo. Como se os meninos-homens fossem seus filhos, no seu templo.

A ignorância do que há de vermelho, ocre e negro nisso tudo -- que é negação de Dionísio e dos sátiros, e é especialmente negação das górgonas, gréias e de todo o mundo ctônio -- faz a força e a fraqueza do filme.